Em primeiro lugar, é preciso saber que contar histórias é uma arte popular. Uma aproximação excessivamente acadêmica e/ou sofisticada pode esvaziar o conteúdo emocional da narrativa, deixando o público pouco à vontade. Da mesma forma, deve-se ter em mente que, embora o ato de contar histórias possa se inserir numa proposta terapêutica ou num projeto pedagógico, não se pode agir de forma mecânica, apenas para cumprir um dever ou para ensinar o que quer que seja, de regras gramaticais a valores doutrinários. As histórias devem ser contadas por e com prazer. Se não, nem vale a pena começar.
O background cultural do narrador e a sua familiaridade com as histórias também são importantes. Ao narrar um conto maravilhoso, por exemplo, é muito mais importante conhecer e ser capaz de visualizar o cenário em que ele se desenvolve do que saber as palavras exatas. Saber de onde vem a versão que se está narrando é bom, mas melhor ainda é saber trabalhar, criativamente, com os elementos fornecidos pela narrativa, e ser capaz de levar o público a se identificar e se interessar por ela.
A escolha do repertório é fundamental para um contador de histórias. Segundo SAWYER, mesmo os contadores mais experientes encontram dificuldades com alguns textos e mais facilidade com outros, sugerindo que se trabalhe com três tipos básicos de material: literatura popular (onde se incluem os contos de fadas), contos literários e trechos de livros (SAWYER, 1990, p. 153). Para ela, a literatura popular é a mais fácil de trabalhar, pois tem uma linguagem universal e uma estrutura narrativa simples.
A opinião é partilhada por RIBEIRO, segundo o qual “por mais que os requintes e lançamentos literários sofram um constante aperfeiçoamento (...) a literatura infanto-juvenil continuará tendo a sua faceta mais atraente na literatura de tradição oral e mais propriamente nos contos de fadas (RIBEIRO, 2002, p. 14-15). Mesmo para um público de adultos (ou misto) essas histórias jamais perdem o seu encanto, sendo no entanto aconselhável que o narrador a estude previamente, conhecendo-a bem, a fim de ser capaz de transmitir todas as nuances contidas em cada trecho e em cada elemento da narrativa.

A partir daí tudo se torna uma questão de tempo, de paciência, de experimentação e, por que não dizer, de ousadia por parte do narrador, que irá acertar e errar muitas vezes ao longo de sua trajetória. No entanto, se for essa a sua vocação, ele irá persistir... uma vez que, para o verdadeiro contador de histórias, o ato de narrar é parte inseparável da vida.
Contar histórias não é um ato apenas intelectual, mas espiritual e afetivo. Por isso, as melhores histórias são as que contamos espontaneamente, a partir do que carregamos em nossa bagagem de cultura e de experiência de vida. Independente de qualquer sentido, contar histórias pressupõe antes de tudo a vontade de falar do que se sabe, de doar sabedoria e conhecimento, de passar adiante aquilo que se aprendeu. Mais simplesmente ainda: contar histórias é aumentar o círculo. E, mesmo na falta de uma fogueira ou das lareiras de nossas avós, podemos fazê-lo aqui e agora, partilhando nossas histórias, lançando fios invisíveis que nos unem numa só rede.
LEITURAS SUGERIDAS:
BUSATTO, Cléo. Contar e encantar. Petrópolis: Vozes, 2003.
FITZPATRICK, Jean Grasso. Era uma vez uma família. Rio de Janeiro : Objetiva, 1998.
MACHADO, Ana Maria. Como e por que ler os clássicos universais desde cedo. Rio de Janeiro : Objetiva, 2002.
RIBEIRO, Jonas. Ouvidos dourados. São Paulo : Ave-Maria, 2002.
SAWYER, Ruth. The Way of the storyteller. New York : Penguin Books, 1990.
SIMPKINSON, Charles e Anna (org.). Histórias sagradas. Rio de Janeiro : Rocco, 2002
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