segunda-feira, 11 de outubro de 2010

A alteridade como desafio

O texto é longo, eu sei... Mas é muito bom.

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Reconhecer o próximo é parte essencial para a própria percepção de si, já que o "eu" só existe no contato com o outro, em um processo em que cada um se torna interdependente.
Por Rodrigo Santos Manzano;


Portal Ciência e Vida - Revista Filosofia - Edição 50

Desejos egoístas e a preocupação cada vez menor com o bem-estar alheio são marcas de nosso atual momento histórico, um dos mais complexos para as relações interpessoais. Isso tudo é fruto de uma época marcada pelo individualismo. Tais atitudes, que podemos até considerar banais, trazem consequências graves para a sociedade atual, e não é à toa que assistimos um alto grau de violência, desestruturação nas relações familiares e nas relações amorosas.

O culto ao “eu” é aparentemente positivo, pois é direito de cada um buscar sua própria felicidade. Apesar disso, levado às consequências últimas, como nos dia de hoje, faz que os seres humanos, que são destinados a viver em sociedade, afundem num individualismo desmedido e desregrado, solapando as bases das relações sociais. Os homens encontram-se, de uma maneira geral, cada vez mais embrutecidos diante dos dramas alheios, porque cada um aprendeu a cultuar seu próprio mundo, seu próprio ego. E nos esquecemos de que, para constituir nossa personalidade, precisamos de algum contato com os outros. Nosso modo de pensar, de agir e até de sentir, urge de nossas relações sociais.

Os conceitos de humano e humanidade revelam uma dialética e dependência intrínsecas. Só há humanidade porque há seres humanos, mas só nos tornamos humanos dentro desta humanidade, vivendo esta natureza, com os outros com quem nos relacionamos. E neste processo, os alemães Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) e Martin Heidegger (1889-1976), com suas análises sobre a constatação da presença, do ser que existe no mundo, e sua relação com outros seres, ajudam a compreender melhor nossa dependência para com outros seres humanos. Diante disso, é importante repensar as relações dos seres humanos entre si, perceber a necessidade que uns temos dos outros, dando ao outro a mesma importância que acreditamos necessária a nós mesmos, para que o processo possa ser revertido


TALVEZ UM DOS GRANDES PONTOS DA HISTÓRIA DO PENSAMENTO HUMANO PARA O DESENVOLVIMENTO DO INDIVIDUALISMO TENHA SIDO A DESCOBERTA DA CONSCIÊNCIA


O “EU” EM FOCO
Talvez um dos grandes pontos da história do pensamento humano para o desenvolvimento do individualismo tenha sido a descoberta da consciência. O primeiro filósofo a dar uma forte contribuição para esse tema foi Santo Agostinho (354-430). Buscando expor o caminho que cada homem devia traçar para chegar ao Sumo Bem, Deus, e assim à felicidade, Agostinho usa exemplos de sua própria vida na mais conhecida de suas obras, Confissões. O filósofo traça os diversos caminhos vividos por ele, experimentando as mais diversas loso as, até encontrar no cristianismo fortemente influenciado por Plotino da Milão do século IV, respostas mais rmes para seus questionamentos, de forma especial sobre a questão do mal. Seguido por ele, René Descartes (1596-1650) defendia a certeza do cogito, único ponto inquestionável numa primeira análise e acabou por justi car o egoísmo, mesmo sem ter intenção, uma vez que nem mesmo a certeza das consciências alheias me são possíveis, pois o mundo interior de alguém é algo totalmente inatingível pela razão humana. A Fenomenologia desenvolvida por Bertrand Russell (1872-1970) acabou afunilando ainda mais essa posição, já que só conhecemos aquilo que as coisas nos mostram, os fenômenos (do grego, “aquilo que aparece”) e não a coisa em si, sendo muito difícil explicar ou mesmo conhecer a consciência alheia.

Desta forma, a individualidade e a subjetividade, conceitos que ganharam espaço na re exão sobre o ser humano a partir destes pensadores, geraram seus respectivos “ismos”, ou seja, o individualismo e o subjetivismo. O contexto econômico que surge a partir do século XVII, com o capitalismo comercial, depois no século XVIII, com o industrial, fez que este cenário fosse se intensificando cada vez mais, trazendo a questão da posse, da obtenção por meio da compra, e assim, as próprias relações sociais pareceram tornar- -se mercadorias. O individualismo e o subjetivismo tornaram-se bandeiras para um discurso de independência, mas que como facilmente notamos em nosso tempo, ironicamente aumentou o processo de massi cação e de alienação diante da realidade, fazendo dos seres humanos meros números num processo que cada vez mais o desumaniza.


AS RAÍZES do individualismo atual

É comum ver a postura individualista associada aos tempos atuais, por muitos denominados como pós-moderno. O individualismo, no entanto, surge com a Modernidade e, de acordo com Simmel - em texto que tematiza o indivíduo e a sociedade em certas concepções da existência dos séculos XVIII e XIX - passa por diferentes etapas. Em um primeiro momento, o individualismo significou ter liberdade e autonomia, ainda percebendo- se e percebendo aos outros na qualidade de homem universal, por natureza livre e igual a todos os outros; mais tarde, ele seguiu o caminho de criar uma singularidade e apareceu com uma nova faceta: a busca por uma personalidade autêntica e única e o desejo de colocá-la em evidência. Simmel distingue o individualismo do século XVIII daquele do século XIX. O primeiro seria o individualismo quantitativo, do homem isolado, mas livre e responsável. Já o segundo, seria o individualismo qualitativo, aquele no qual a liberdade é uma forma de o indivíduo realizar-se em sua particularidade, ver-se como ser incomparável. Mais do que a autonomia, nesta forma de individualismo o que se valoriza é a singularidade.

(Esses conceitos aparecem no texto O indivíduo e a liberdade, do sociólogo alemão Georg Simmel (1858-1918).)


A DIALÉTICA DA ALTERIDADE


Hegel é lho de um contexto totalmente inovador na história do pensamento humano. Tendo sido ele herdeiro das análises feitas por Kant sobre o processo epistemológico, e principalmente sobre a posição de xeque em que este colocou a Metafísica, o filósofo tenta justi car sua visão de que a totalidade é marcada por uma racionalidade, que ele chama de Espírito Absoluto, verificável pelos contrários, das diversas oposições nos mais diversos graus de existência. Assim, uma espiral toma a realidade no famoso esquema tese-antítese-síntese, para a evolução da história. Esta espiral demonstra que da aparente oposição pode se perceber uma lógica agindo para o aprimoramento desta mesma existência.

Nesse contexto, a individualidade fica fortemente prejudicada, uma vez que cada ser é uma espécie de manifestação do Espírito Absoluto, e assim, parte de um complexo maior. Vemos aqui o forte eco da concepção panteísta, cuja influência é notória em Hegel. Em seu complexo sistema filosófico, o filósofo nos permite analisar como as consciências chegam ao ápice do autoconhecimento somente quando em contato umas com as outras. Há um movimento de dentro para fora, que é seguido por um de fora para dentro, mostrando a necessidade da alteridade no processo epistemológico. “Chamemos conceito o movimento do saber, e objeto, o saber como unidade tranquila ou como Eu; então vemos que o objeto correspondente ao conceito, não só para nós, mas para o próprio saber. Ou, de outra maneira: chamemos conceito o que o objeto é em-si, e objeto o que é como o objeto ou para-um Outro; então ca patente que o ser-em-si e o ser-para-um-Outro são o mesmo. Com efeito, o em-si é a consciência, mas ela é igualmente aquilo para o qual é um Outro (o emsi): é para a consciência que o em-si do objeto e seu ser-para-um-Outro são o mesmo. O Eu é o conteúdo da relação e a relação mesma; defronta um Outro e ao mesmo tempo o ultrapassa; e este Outro, para ele, é apenas ele próprio”. (HEGEL, G.W.F., Fenomenologia do Espírito, Petrópolis: Vozes, p. 135)

Hegel inicia a sua análise da autopercepção da consciência a partir da sua relação com algo exterior. Em primeiro momento, ele põe um objeto, sem ser este propriamente outra consciência. Nesse processo, objeto, conceituação e consciência se fazem um só. O objeto existe fora de minha mente, mas existe também na minha mente, na consciência, pois é isto o que conhecemos. Da mesma forma que percebemos que há uma ideia correspondente ao objeto na realidade, percebemos algo que conhece este objeto. É a certeza da consciência. Porém, para Hegel, ela não vem de uma percepção interna, mas sim, posterior à percepção do alheio, algo somente compreensível sob a ótica do sistema hegeliano, fortemente marcado pela ideia de totalidade.

Como vemos, a dialética hegeliana chega ao seu extremo uma vez que o autor defende a ideia de que algo só toma consciência de si no contato com o externo. Há aqui uma dependência da consciência daquilo que lhe é externo. É como se a consciência precisasse de uma espécie de provocação advinda de fora para refletir sobre sua própria existência. Partes de um mesmo todo, o que está fora e o que está dentro se completam no processo do conhecimento e, mais ainda, no processo do autoconhecimento. Seguindo sua reflexão, Hegel percebe a necessidade que a consciência sente deste alheio, se percebendo como incompleta, e tal reflexão chega ao ápice na relação da consciência com outra consciência. A consciência se revela como um ser que deseja, devido a essa natureza incompleta, ou mais ainda, como parte de um todo que se completa no alheio. Mas essa questão do desejo entra numa espiral, pois não é só o desejo do objeto alheio que se anula, mas o desejo de algo que também se perceba, tenha consciência-de-si. Assim, a relação entre seres conscientes se baseia numa complexa relação de egoísmo e de incompletude. A consciência-de-si precisa do outro, como uma necessidade própria de satisfazer seus desejos. “Quando um objeto é em si mesmo negação, e nisso é ao mesmo tempo independente, ele é consciência. Na vida, que é o objeto do desejo, a negação ou está em um Outro, a saber, no desejo, ou está como determinidade em contraste com outra gura independente; ou então como sua natureza inorgânica universal. Mas tal natureza universal independente, na qual a negação está como negação absoluta, é o gênero como tal, ou como consciência-de-si. A consciência-de-si só alcança sua satisfação em outra consciência de si. (...) É uma consciência-de-si para uma consciência-de-si. E somente ela é, de fato: pois só assim vem-a-ser para ela a unidade de si mesma em seu ser outro”. (Idem, ibidem, p. 141 – 142)

Na relação entre duas consciências, a dialética hegeliana demonstra a necessidade recíproca de cada uma delas no processo de aprimoramento da consciência-de-si. Aqui se apresenta uma nova espiral, própria do pensamento de Hegel, que leva à superação desta relação, dentro do esquema já citado, tese-antítese-síntese. Estas etapas levam à percepção do todo e à consciência de que o individual, o singular, é parte de um todo maior. Tentando traduzir, é como se a consciência-de-si, ao se deparar com outra consciência-de-si, se percebe na verdade como uma parte de uma “grande consciência”, a razão que controla o universo, ou seja, o Espírito Absoluto. “No pensamento que captou – de que a consciência singular é em si a essência absoluta –, a consciência retorna a si mesma. Para a consciência infeliz, o ser-em-si é o além dela mesma. Porém, seu movimento nela instaurou isto: a singularidade em seu completo desenvolvimento, ou a singularidade que é a consciência efetiva, como negativo de si mesma; quer dizer, como um Extremo objetivo. Em outras palavras: arrancou de si seu ser-para-si e fez dele um ser.


“A solidão é o preço que temos de pagar por termos nascido neste período moderno, tão cheio de liberdade, de independência e do nosso próprio egoísmo”
SOSEKI NATSUME


Nesse veio-a-ser também para a consciência sua unidade com esse universal. Unidade que para nós não incide mais fora dela – já que o singular suprassumido é o universal. E como a consciência se conserva a si mesma em sua negatividade, essa constitui na consciência como tal a sua essência.” (Idem, ibidem, p. 172).

A forma como Hegel enxerga a realidade, a partir de seu complexo totalitário, em que o objeto de sua Filoso a é a realidade como totalidade, e cada parte como apenas um flash desta totalidade, nos parece estranha e talvez até criticável. Como realmente pode ser plausível uma análise que não deixa de ter um alto grau de especulação? Além do mais, Hegel parece deixar de lado totalmente qualquer tipo de individualidade, de singularidade, uma vez que estas são apenas momentos do Espírito Absoluto, desta razão maior que Hegel personaliza. Tais questionamentos, embora plausíveis e relevantes, não são tão importantes para o objetivo deste artigo. O que realmente importa é que a análise feita por Hegel de que a construção da consciência, e consequentemente da identidade, a partir da dialética na relação das consciências, é algo notável e nos ajuda a entender a necessidade da alteridade. Como foi dito anteriormente, só nos fazemos humanos numa relação dialética com os outros seres humanos, sofrendo e exercendo in uências na formação daquilo que somos. Só podemos nos perceber como seres humanos, conscientes, racionais, afetivos, en m, todas as potencialidades próprias do ser humano só se desenvolvem a partir do contato com o outro. A partir da relação de uns com os outros nos percebemos e nos construímos e é essa relação que gera um complexo unitário, a humanidade. Desta forma, o estudo das relações dialéticas entre consciências, a partir do esquema de fora para dentro e de dentro para fora foi de muita importância para o conhecimento humano.

O MITSEIN HEIDEGGERIANO


Para completar o caminho aberto pela abordagem hegeliana da autoconsciência, vejamos como um dos pais do Existencialismo, Martin Heidegger, trata a questão do outro, a partir de sua loso a do ser existente.

A filosofia heideggeriana busca analisar a existência e os seus fatores constitutivos. Assim, buscando romper com todo idealismo e toda Metafísica, a existência é analisada como algo que está aí, aquilo que em alemão se definiu como dasein, o ser aí, colocado, existente, um fato. Fruto da Fenomenologia, o Existencialismo busca trabalhar com os dados perceptíveis e não com os dados especulativos, colocando-se numa posição crítica frente aos fatores suprassensíveis, tão fortemente levados a sério em outras correntes losó- cas. Assim, a existência parece não ter nenhum motivo e nem mesmo um objetivo. Porém, o ser humano é quem melhor consegue compreender-se dentro desta lógica do dasein, porque pode re etir sobre si mesmo e sobre sua existência. Neste processo, surge uma série de relações, uma vez que este ser existe em um mundo anterior a si, lida com objetos alheios a si e se relaciona com outros seres, que também são formas do dasein. E é nesta relação que surge uma forma privilegiada de ser, pois o ápice da percepção do dasein está na relação entre esses seres. “Do ponto de vista ontológico, o ser para os outros é diferente do ser para coisas simplesmente dadas. O “outro” ente possui, ele mesmo, o modo de ser da presença (dasein). No ser-com e para os outros, subsiste, portanto, uma relação ontológica entre presenças. Essa relação, pode-se dizer, já é cada vez constitutiva da própria presença, a qual possui por si mesma uma compreensão de ser e, assim, relaciona-se com a presença. A relação ontológica com os outros torna-se, pois, projeção do próprio ser para si mesmo “num outro”. O outro é um duplo si mesmo. (HEIDEGGER, M. Ser e Tempo, Petrópolis: Vozes, p. 181)

PRESENÇA DO OUTRO


Os seres conscientes, que para Heidegger são a forma privilegiada do dasein, são os que podem se perceber nesta dinâmica de existência, se veem diante de um mundo no qual vivem, de coisas com as quais devem interagir, e coisas estas que nos vêm às mãos pela ação de outros humanos. Toda a existência, portanto, é marcada pela presença do outro, que interfere, in- uencia, interage conosco, revelando este caráter do dasein. “Os outros (...) são aqueles dos quais, na maior parte das vezes, não se consegue propriamente diferenciar, são aqueles entre os quais também se está. Esse estar também com os outros não possui o caráter ontológico de um ser simplesmente dado ‘em conjunto’ dentro de um mundo. O ‘com’ é uma determinação da presença. O ‘também’ signi ca a igualdade no ser enquanto ser-no-mundo que se ocupa dentro de uma circunvisão. ‘Com’ e ‘também’ devem ser entendidos existencialmente e não categorialmente. À base desse ser-no-mundo determinado pelo com, o mundo é sempre o mundo compartilhado. O ser-em é ser-com os outros. O ser-em-si intramundano desses outros é co-presença.” (Idem, ibidem, p. 174 – 175).

Assim, é a partir do conceito de dasein que este se torna realidade nos seres existentes, que podem tomar consciência de sua existência, e que se relacionam entre si, mas que são individuais. Ao contrário de Hegel, que vê no processo de conhecimento do outro um movimento do Espírito Absoluto, no qual cada parte se move dentro dele, o processo de Heidegger intui este ser como algo que é realidade nos vários seres. Não existe, como nas loso as idealistas, um ser que se faz real nos seres. Pelo contrário, o dasein é apenas um conceito que busca explicar a complexa realidade da existência, daquilo que vem a ser, e que está circunscrita no espaço, no mundo e no tempo. Inclusive, tão forte é a questão do tempo em Heidegger, que sua análise, buscando explicitar o sentido do existir, chega à conclusão de que o ser é ser-para-amorte, única coisa realmente garantida na existência. Assim, uma angústia será sempre notória na existência, porque chega a ser contraditória a existência, uma vez que a única aparente certeza que se tem nela é o seu fim. O dasein se revela como abertura, mesmo que se busque fechar aos outros.

Assim, nasce também uma relação nesta lógica do ser-com. Heidegger vai de- nir a relação com o outro pelo conceito de preocupação, tomando a angústia que é própria da existência. E em suma, Heidegger vê a preocupação de duas formas: uma que acaba aprisionando, alienando, pois toma do outro o cuidado que ele deve ter consigo mesmo, como se um vivesse a vida do outro. A outra, mais positiva, busca auxiliar na libertação, na formação da existência, num processo de auxílio na construção do outro. “A convivência cotidiana mantém-se entre os dois extremos da preocupação positiva – o salto dominador que substitui e o salto liberador que antecipa.” (Idem, ibidem, p. 178 – 179).

A análise de Heidegger nos leva a re- etir sobre a necessidade de ver o outro como um ser existente e consciente de sua existência. Mesmo sendo contrário à atribuição de um sentido à existência, Heidegger abre caminhos para uma re exão ética uma vez que ele percebe que os demais seres são dependentes entre si, vendo isso como algo que é fato, não podendo ser ignorado, mostrando que a presença é em si copresença. Em outras palavras, o dasein é mitsein (“ser-com”, em alemão).


A DIALÉTICA HEGELIANA CHEGA AO SEU EXTREMO UMA VEZ QUE O AUTOR DEFENDE A IDEIA DE QUE ALGO SÓ TOMA CONSCIÊNCIA DE SI NO CONTATO COM O EXTERNO


Portanto, segundo Hegel, negar a importância do outro é negar o próprio autoconhecimento, e querer se retirar da coexistência, da convivência, é viver inautenticamente, como diria Heidegger. Assim, re etir sobre a humanidade, sobre a dialética indivíduocomunidade, e assim nos posicionarmos de um modo diferente, que nos leve mais ao próximo, que busquemos mais sua evolução, seu crescimento, e que faça crescer em nós os laços de solidariedade, não é algo tão irracional. Pelo contrário, nosso tempo pede como desa o um olhar mais atento às necessidades do próximo, uma vez que diferenças, e consequentes rivalidades, vão se tornando mais acentuadas e ameaçam até mesmo as sociedades em todo o mundo. Reconhecer o outro como uma parte de um todo compartilhado é algo necessário. O verdadeiro sentimento de humanidade, de humanismo, urge a partir do reconhecimento do outro neste processo em que cada um se torna interdependente. A partir da abertura para o outro, reconhecendo a dignidade deste, podemos repensar a relações e até novas noções éticas para toda a humanidade.

As abordagens trazidas por Hegel e Heidegger nos apontam para a natureza incompleta, limitada do ser humano, que mesmo não percebendo, necessita do próximo para se completar. Nosso tempo precisa valorizar a alteridade, revisitar esta ideia, para que o conceito de humanidade não acabe cedendo espaço ao de selvageria ou barbárie em que cada vez mais os seres humanos se afundam, perdendo sua própria identidade. O primeiro passo para o homem se tornar mais humano é reconhecer o valor do próximo e nossa própria natureza, nossa constituição interna, psicológica, aponta para a necessidade do próximo em nossas vidas e na formação do nosso ser. Afinal, que ser humano pode se constituir como tal sem a presença de outros seres humanos?


Alteridade é “natureza ou condição do que é outro, do que é distinto” (Dicionário Houaiss). Seu conceito parte da premissa de que todo homem social interage e interdepende de outros homens. Assim, o “eu” só existe em contato com o outro – e a partir do outro, da visão desse.

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