quarta-feira, 14 de maio de 2008

VAIDADE A SERVIÇO DO CRISTO?


Faço a você, leitor amigo, uma pergunta maldosa: Qual o primeiro atributo de um artista?
Se você respondeu talento, técnica, inspiração ou vontade, lamento dizer que está enganado.
Com o passar dos anos percebi que todos entes elementos, entre outros, são sim importantes ao artista e fazem parte fundamental de sua expressão artística, mas estão longe de figurarem como os primeiros da lista. Na verdade eles surgem e/ou se desenvolvem como conseqüência do primeiro atributo do artista: a vaidade.
Eu explico meu ponto de vista.
Todo ser humano possui um medo intrínseco à idéia de morte: o medo do esquecimento. Não temos tanto medo assim de morrer (principalmente os espíritas não o deveríamos ter), afinal sabemos que a morte do corpo físico é inevitável. Mas a idéia de sermos esquecidos é assustadora, por isso procuramos deixar marcas para a posteridade.
Trabalhar na arte é uma forma de eternizarmo-nos, deixando livros, músicas, pinturas ou lembranças. Praticamos a mais sublime forma de vaidade.
Pode parecer estranho falarmos da vaidade de um modo tão próximo do positivo, principalmente quando se trata de arte espírita, no entanto eu ouso dizer que existe mais de um tipo de vaidade.
Existe a vaidade comum, aquela que procura exarcebar sentimentos vãos e inúteis ao indivíduo, como o egoísmo, o orgulho, a preocupação excessiva com a aparência em detrimento da essência e todos os atributos sobre quais a doutrina está repleta de textos que nos fazem o chamamento para combater nossas inclinações menos nobres.
Essa é a vaidade a ser combatida.

Mas existe um tipo de vaidade que nunca foi realmente considerada. É uma vaidade que eu costumo chamar de salutar ou produtiva. Esta deveria ser a vaidade do artista espírita.
É esta vaidade salutar, equilibrada, que nos faz buscar a crescente qualidade em cada traço da pintura, naquela rima rara do poema, no acorde harmonioso da canção, no passo bem executado da dança ou na espontaneidade ensaiada de um gesto teatral.
Mas o que diferencia o vaidoso comum do vaidoso salutar? A diferença é de certa forma bem simples: este se vê como um servo da arte enquanto aquele se considera seu senhor.
Claro que a linha que separa os dois tipos é muito tênue e difícil de ser identificada; não poderia ser de outro modo em se tratando de um sentimento pessoal que só pode ser devidamente trabalhado em nível individualizado.
Lembro-me do que diz o consagrado ator, diretor e teatrólogo Constantin Stanislavski, no capítulo XIV de “A Construção da Personagem” capítulo este intitulado “Para uma ética do teatro”:

- Ele (o ator) precisa de ordem, disciplina, de um código de ética, não só para as circunstâncias gerais do seu trabalho, como também, e principalmente, para os seus objetivos artísticos e criadores.
- A condição primordial para acarretar esta disposição preliminar é seguir o princípio pelo qual tenho me norteado: amar a arte em nós e não a nós mesmos na arte.
- A carreira do ator - prosseguiu Tórtsov - é uma carreira esplêndida para aqueles que são dedicados a ela, que a compreendem e enxergam sob um prisma verdadeiro.
- E se o ator não faz isso? - perguntou um dos alunos.
- Será uma pena, pois isto o incapacitaria como ser humano. Se o teatro não puder enobrecê-lo, transformá-lo numa pessoa melhor, você deve fugir dele - replicou Tórtsov.

O princípio de “amar a arte em nós e não a nós mesmos na arte” é uma advertência dos perigos da vaidade para o ser humano. O artista, pela própria natureza e forma de seu trabalho, está mais sujeito aos perigos da vaidade que outros profissionais, pois, o simples fato de se dispor à exposição pública demonstra que possui uma certa dose de vaidade. O Artista Espírita deve direcionar sua vaidade para a qualificação de sua arte, a fim de melhor divulgar a Doutrina.
Os três últimos parágrafos da citação contêm, em conjunto, a essência daquilo que se espera de um artista, seja ele espírita ou não. Enobrecer-se através da arte, fazer dela o seu instrumento de desenvolvimento moral e espiritual. Este conceito vai encontrar eco na advertência de Emmanuel, no livro “O Consolador”:

Qualquer expressão emotiva deve ser disciplinada pela fé, porquanto a sua expansão livre, na base das incompreensões do mundo, pode fazer-se acompanhar de graves conseqüências.
Sei que é um assunto delicado de se tratar. Sei que você que me lê neste momento talvez não concorde em nada com o que digo e gostaria muito que me enviasse sua opinião a respeito.
Vamos todos transformar nossa vaidade. Coloquemos nossa arte a serviço do Cristo, lembrando que o Mestre e a Doutrina merecem o melhor, e não é a vaidade uma maneira de tentarmos melhorar sempre?

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  1. STANISLAVSKI, Constantin. A Construção da Personagem (Building a Character). Trad. de Pontes de Paula Lima. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1970.
  2. XAVIER, Francisco Cândido (Médium) & EMMANUEL (Espírito). O Consolador. 16ª ed. Rio de Janeiro: FEB, 1990.